"Deus e o Diabo na Terra do Sol" completou 5 décadas.

O filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", escrito por Glauber Rocha, é uma produção nacional ganhadora de prêmios internacionais que representa o cinema novo, movimento cinematográfico nacional iniciado na virada dos anos 50 para os anos 60, que elaborou uma nova forma de fazer e pensar cinema. O filme do talentoso cineasta baiano completou cinco décadas de lançamento nesta quinta-feira, dia 10 de julho.

Glauber Rocha inicia o filme dizendo: “Vou contar uma estória. Na verdade e imaginação. Abra bem os seus olhos. Pra escutar com atenção. É coisa de Deus e Diabo. Lá nos confins do sertão”. Esta frase retrata bem o conteúdo do filme, que vai mostrando no decorrer de sua história aspectos e personagens típicos do nordeste brasileiro, bem como elementos de sua cultura, como o cordel, além da dura realidade do sertanejo, que não só sofre por ser homem do campo sem direitos trabalhistas, mas também vítima do abandono das autoridades para sua realidade.

Sobre "Deus e o Diabo na Terra do Sol"

O filme conta a história de um casal sertanejo, Manoel e Rosa, representantes neste momento de todas as famílias nordestinas. Manoel é explorado por um “coronel”, dono das terras em que vive e que possui o poder político na região. A vida de Manoel é difícil e ele acredita que um pregador chamado Sebastião, homem considerado santo pelos sertanejos e que percorre aquela região pregando a palavra de Deus de acordo com sua visão distorcida e até louca da realidade. Este beato em sua jornada vai levando consigo uma multidão de sertanejos que acreditam que só Deus os ajudará nesta dura vida e que estão diante de um messias (emissário) de Deus.
Esta parte do filme mostra muito bem que o sertanejo quando não encontra nenhuma perspectiva para sua vida sofrida, acaba sendo vítima de pessoas que acreditam serem emissárias de Deus, e que se aproveitam do desespero deste povo. Mostra também o fanatismo que se desenvolve com o desespero, onde homens e mulheres deixam para traz suas vidas, seguindo um líder que exige provações, penitências e até mesmo assassinatos em nome da fé.

Além disso, o filme passa a postura dos coronéis, que representam o Estado e o poder político da região, junto com a Igreja Católica, preocupados não com a pobreza, a fome e a situação do sertanejo, mas com o poder que o beato Sebastião possui junto à população sertaneja. Para que o problema seja resolvido, usam dos serviços de um jagunço chamado Antônio das Mortes, que muito bem representa o braço armado e a força dos coronéis nordestinos, que resolviam e até hoje em determinados casos, resolvem os problemas através da força física e da bala.

Percebe-se ainda no filme, a dualidade entre os personagens que em determinados momentos são bons, representando assim Deus e em outros momentos são maus representando assim o Diabo. Os personagens possuem bondade, amor, etc., mas em decorrência dos seus sofrimentos, tornam-se capazes de matar, inclusive crianças, na luta pela sobrevivência. Podemos exemplificar primeiramente quando Manoel vive sua vida pacata e de repente mata o coronel Moraes num ato de desespero e posteriormente quando abandona a companheira, fugindo do matador; quando Rosa, que vive resignada com seu destino, mata o beato Sebastião, após ele assassinar uma criança e através do cangaceiro Corisco, bandido terrível, que aceita o casal em seu bando. Mas, o momento que melhor representa esta dualidade entre o bem e o mal, é quando Antonio das Mortes é convencido a matar homens, mulheres e crianças, além do beato, por um padre.


Existe também o sertão nordestino, como elemento importante na trama, pois faz um contraponto com as cidades, ao mostrar a imensidão do sertão, com casas dispersas nessa paisagem e com uma pequena cidade onde o comércio é feito principalmente na rua, com comida, animais, etc., expostos. Esse ambiente mostrado cria para quem não conhece essa realidade e principalmente para as pessoas das cidades, que vivem em locais baseados na modernidade, um choque enorme.

No fim, o casal Manoel e Rosa, seguem em direção ao mar, entretanto Manoel deixa Rosa no caminho e continua dirigindo-se para lá. O mar simboliza a cidade e consequentemente, uma nova vida. Simbolicamente, o casal Manoel e Rosa representam os milhares de sertanejos que abandonaram suas vidas no Nordeste, deixando suas famílias e foram para São Paulo, Rio de Janeiro, entre outras cidades, em busca de uma vida digna, com trabalho, casa e alimentos, pequenas coisas para o homem da cidade, mas para o sertanejo representava o paraíso. Outro aspecto importante foi o fato do filme ser em preto e branco, como forma de enfatizar a dura vida do nordestino.

Conclui-se que este filme representou uma revolução no cinema brasileiro e que teve a sorte de ser lançado 19 dias antes da revolução de 1964. Esta revolução fez com que obras como essas fossem censuradas e consideradas subversivas e fruto de mentes “comunistas”, que tentavam passar uma imagem falsa do Brasil. Eles não foram capazes de perceber que esta obra buscava chamar a atenção da sociedade brasileira, principalmente dos políticos, para a situação do sertanejo, povo forte, que em decorrência da seca, passa por sérias privações. É importante ressaltar que o nordestino, mesmo perdendo tudo o que possui em virtude da seca, permanece firme em sua fé, mantendo a esperança de uma vida melhor.

Referências: Rocha, Glauber. Deus e o Diabo na terra do Sol. Rio de Janeiro: Copacabana Filmes, 1964.

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