Como ler e entender A Divina Comédia: um guia completo da obra-prima de Dante

A Divina Comédia é um poema épico que narra uma viagem alegórica ao mundo dos mortos em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso. Foi escrita pelo florentino Dante Alighieri entre 1304 e 1321, no período do Renascimento, e é considerada uma das maiores obras da literatura universal.

O poema é narrado em primeira pessoa, onde Dante é o narrador e o personagem principal. Ele se encontra perdido numa selva escura e é guiado pelo poeta latino Virgílio, pela sua amada Beatriz e por São Bernardo. A obra é um compêndio de conhecimento e cultura medieval, e um tratado teológico da religião católica romana. Foi escrita em tercetos encadeados em dialeto florentino, com 100 cantos e 14.233 versos.

A Divina Comédia foi originalmente intitulada apenas Comédia, pois seguia o sentido aristotélico de uma obra com final feliz. Mais tarde, o escritor Giovanni Boccaccio acrescentou o adjetivo Divina, pela sua grandeza e beleza.

A Divina Comédia: resumo, análise e dicas de leitura

Inferno

A primeira parte do poema é composta por 34 cantos. Dante descreve o inferno como um local no interior da terra, formado por nove círculos concêntricos que se afunilam até o centro, onde está Lúcifer. Cada círculo corresponde a um tipo de pecado e tem uma punição proporcional à sua gravidade. Os pecadores são castigados eternamente por contrapasso, ou seja, sofrem o contrário do que fizeram em vida.

Os nove círculos do inferno são:

  • Primeiro Círculo: o Limbo, onde estão os virtuosos pagãos que não conheceram a fé cristã. Eles não sofrem, mas vivem numa tristeza sem esperança.
  • Segundo Círculo: o Vale dos Ventos, onde estão os luxuriosos que se deixaram levar pela paixão carnal. Eles são arrastados por ventos violentos que simbolizam a instabilidade dos seus desejos.
  • Terceiro Círculo: o Lago de Lama, onde estão os gulosos que se entregaram à glutonaria. Eles são atormentados por uma chuva de granizo, neve e água suja que representa a podridão dos seus excessos.
  • Quarto Círculo: as Colinas de Rocha, onde estão os gananciosos que acumularam riquezas sem generosidade. Eles são obrigados a empurrar grandes pesos de ouro e prata que representam o fardo das suas posses.
  • Quinto Círculo: o Rio Estige, onde estão os iracundos que se deixaram dominar pela raiva. Eles se debatem nas águas turvas do rio ou ficam submersos na lama do fundo, conforme foram violentos ou rancorosos em vida.
  • Sexto Círculo: o Cemitério de Fogo, onde estão os hereges que negaram a imortalidade da alma. Eles ficam presos em túmulos ardentes que representam a cegueira da sua razão.
  • Sétimo Círculo: o Vale do Flegetonte, onde estão os violentos contra Deus, contra si mesmos ou contra o próximo. Eles sofrem diferentes castigos conforme a natureza da sua violência: os blasfemos ficam deitados numa areia escaldante sob uma chuva de fogo; os suicidas se transformam em árvores secas que sangram quando são quebradas; os tiranos ficam mergulhados num rio de sangue fervente.
  • Oitavo Círculo: o Malebolge, onde estão os fraudulentos que enganaram os outros por malícia. Eles são divididos em dez fossos, cada um com uma tortura específica para o tipo de fraude cometida: sedutores, aduladores, simoníacos, adivinhos, corruptos, hipócritas, ladrões, conselheiros fraudulentos, semeadores de discórdia e falsários.
  • Nono Círculo: o Lago Cocite, onde estão os traidores que violaram a confiança de alguém. Eles ficam imersos num lago de gelo que representa a frieza dos seus corações. O lago é dividido em quatro zonas, conforme o grau de traição: Caína, para os que traíram os parentes; Antenora, para os que traíram a pátria; Ptolomeia, para os que traíram os hóspedes; e Judeca, para os que traíram os senhores. No centro do lago está Lúcifer, o anjo caído que traiu Deus. Ele tem três faces e mastiga eternamente os três maiores traidores da história: Judas Iscariotes, que traiu Jesus; e Bruto e Cássio, que assassinaram Júlio César.
A Divina Comédia: resumo, análise e dicas de leitura

Purgatório

A segunda parte do poema é composta por 33 cantos. Dante descreve o purgatório como uma montanha iluminada pelo sol, onde as almas dos pecadores arrependidos se purificam antes de subir ao paraíso. A montanha é dividida em sete cornijas, cada uma correspondente a um dos sete pecados capitais. As almas sofrem penitências que visam corrigir os seus vícios e cultivar as virtudes opostas.

As sete cornijas do purgatório são:

  • Primeira Cornija: onde estão os soberbos que se exaltaram acima dos outros. Eles carregam pedras nas costas que os fazem curvar-se e olhar para o chão. Eles contemplam exemplos de humildade esculpidos na rocha.
  • Segunda Cornija: onde estão os invejosos que cobiçaram o bem alheio. Eles têm os olhos costurados por fios de ferro que os impedem de ver. Eles ouvem exemplos de caridade e generosidade.
  • Terceira Cornija: onde estão os irados que se enfureceram contra o próximo. Eles andam envoltos numa nuvem de fumaça negra que simboliza a cegueira da ira. Eles escutam exemplos de mansidão e paciência.
  • Quarta Cornija: onde estão os preguiçosos que negligenciaram o bem e o dever. Eles correm sem parar por um caminho estreito que representa a diligência e o esforço. Eles recitam exemplos de zelo e fervor.
  • Quinta Cornija: onde estão os avarentos e os pródigos que tiveram um uso desordenado dos bens materiais. Eles jazem no chão com as faces voltadas para baixo que simboliza a sua apego à terra. Eles clamam exemplos de pobreza e generosidade.
  • Sexta Cornija: onde estão os gulosos que se entregaram à intemperança na comida e na bebida. Eles passam fome e sede sob uma árvore carregada de frutos proibidos. Eles invocam exemplos de temperança e moderação.
  • Sétima Cornija: onde estão os luxuriosos que se deixaram levar pela paixão carnal. Eles são envolvidos por chamas purificadoras que representam o amor divino. Eles cantam exemplos de castidade e pureza.

Após passar pelas sete cornijas, Dante chega ao cume da montanha, onde está o Jardim do Éden, o paraíso terrestre perdido pelo pecado original. Lá ele encontra Beatriz, a sua amada, que substitui Virgílio como sua guia. Ela representa a graça divina e a sabedoria teológica.

A Divina Comédia: resumo, análise e dicas de leitura

Paraíso

A terceira parte do poema é composta por 33 cantos. Dante descreve o paraíso como uma série de nove céus concêntricos que giram em torno da Terra. Cada céu corresponde a um dos nove corpos celestes que influenciam a vida humana. Cada céu corresponde a uma das nove ordens angélicas e a uma das nove esferas da virtude. As almas contemplam a glória de Deus e louvam a sua bondade e justiça.

Os nove céus do paraíso são:

  • Primeiro Céu: o céu da Lua, onde estão as almas que foram fiéis aos seus votos, mas que tiveram alguma imperfeição ou mudança de vontade. Eles pertencem à ordem dos Anjos e à esfera da Fé. Dante encontra Piccarda, que ele já havia visto no Limbo, e o imperador Constantino.
  • Segundo Céu: o céu de Mercúrio, onde estão as almas que praticaram o bem por amor a Deus, mas também buscaram a fama e o reconhecimento humano. Eles pertencem à ordem dos Arcanjos e à esfera da Esperança. Dante encontra o imperador Justiniano e o cavaleiro Romeu.
  • Terceiro Céu: o céu de Vênus, onde estão as almas que amaram a Deus e ao próximo, mas também se deixaram levar pela paixão carnal. Eles pertencem à ordem dos Principados e à esfera da Caridade. Dante encontra Carlos Martel, Folco de Marselha e Raabe, a prostituta que ajudou os israelitas em Jericó.
  • Quarto Céu: o céu do Sol, onde estão as almas que se dedicaram à sabedoria e ao conhecimento de Deus. Eles pertencem à ordem das Potestades e à esfera da Prudência. Dante encontra os grandes teólogos e filósofos cristãos, como Tomás de Aquino, Boaventura, Alberto Magno, Agostinho e outros.
  • Quinto Céu: o céu de Marte, onde estão as almas que lutaram pela fé e pela justiça. Eles pertencem à ordem das Virtudes e à esfera da Fortaleza. Dante encontra os heróis cristãos, como Josué, Judite, Carlos Magno, Godofredo de Bulhão e outros.
  • Sexto Céu: o céu de Júpiter, onde estão as almas que governaram com sabedoria e justiça. Eles pertencem à ordem dos Domínios e à esfera da Justiça. Dante encontra os reis e imperadores virtuosos, como Davi, Salomão, Trajano, Constantino e outros.
  • Sétimo Céu: o céu de Saturno, onde estão as almas que se dedicaram à vida contemplativa e ascética. Eles pertencem à ordem das Tronos e à esfera da Temperança. Dante encontra os grandes monges e eremitas, como Pedro Damião, Bento de Núrsia, Macário e outros.
  • Oitavo Céu: o céu das Estrelas Fixas, onde estão as almas que alcançaram a perfeição cristã. Eles pertencem à ordem dos Querubins e à esfera da Fé, Esperança e Caridade. Dante encontra os apóstolos Pedro, Tiago e João, que lhe fazem perguntas sobre as virtudes teologais; os evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João; Maria, a mãe de Jesus; Adão, o primeiro homem; São Francisco de Assis; São Domingos de Gusmão; São Bento de Núrsia; São Tomás de Aquino; São Boaventura; Santa Clara de Assis; Santa Catarina de Siena; Santa Águeda; Santa Luzia; Santa Cecília; Santa Inês; Santa Anastácia; Santa Helena; Santa Brígida da Suécia; Santa Matilde de Hackeborn; Santa Gertrudes a Grande; Santa Margarida da Hungria; Santa Beatriz da Silva Meneses; Santa Rosa de Lima; Santa Teresa de Ávila; Santa Joana d’Arc; Santa Catarina de Gênova; Santa Rita de Cássia; Santa Isabel da Hungria; Santa Isabel de Portugal; Santa Mônica; Santa Escolástica; Santa Gertrudes de Helfta; Santa Hildegarda de Bingen; Santa Brígida da Suécia; Santa Margarida de Cortona; Santa Ângela de Foligno; Santa Verônica Giuliani; Santa Catarina de Ricci; Santa Maria Madalena de Pazzi; Santa Teresa Margarida do Coração de Jesus; Santa Teresa Benedita da Cruz; Santa Faustina Kowalska; Santa Teresa de Lisieux; Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face; Santa Maria Goretti; Santa Gianna Beretta Molla; Santa Teresa dos Andes; Santa Edith Stein; Santa Josefina Bakhita; Santa Maria Faustina Kowalska; e Beatriz, a amada de Dante.
  • Nono Céu: o céu do Primum Mobile, onde estão as almas que se movem em harmonia com a vontade de Deus. Eles pertencem à ordem dos Serafins e à esfera da Caridade. Dante encontra os nove coros angélicos, que formam uma rosa branca que representa a Igreja Celeste.

Após contemplar os nove céus, Dante ascende ao Empíreo, o céu supremo, onde está a essência de Deus. Lá ele vê a visão beatífica, ou seja, a face de Deus, que é descrita como três círculos concêntricos de luz que representam as três pessoas da Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Dante também vê a humanidade de Cristo e a Virgem Maria. Ele tenta compreender o mistério divino, mas a sua razão humana é insuficiente. Ele se entrega então à graça divina e ao amor que move o sol e as outras estrelas.

Reflexões sobre a obra

A Divina Comédia é uma obra-prima da literatura universal, pois combina elementos poéticos, filosóficos, teológicos, históricos e culturais de forma magistral. O poema revela a visão de mundo do autor e da sua época, marcada pela fé cristã, pela cultura clássica e pela política italiana. A obra também expressa a busca pessoal de Dante pelo sentido da vida, pelo amor verdadeiro e pela salvação eterna.

A obra tem um valor simbólico e alegórico, pois cada personagem, cada lugar e cada acontecimento representam uma realidade espiritual ou moral. A viagem de Dante pode ser vista como uma metáfora da jornada humana em busca de Deus e da felicidade. O poema também tem um valor didático e pedagógico, pois ensina ao leitor os princípios da fé cristã, as virtudes e os vícios humanos, as consequências do pecado e da graça, e os caminhos para a purificação e a perfeição.

A obra tem um valor artístico e estético, pois utiliza recursos poéticos como a rima, a métrica, as figuras de linguagem, as imagens sensoriais e as referências culturais. O poema também tem um valor linguístico e literário, pois foi escrito em língua vulgar (o dialeto florentino), contribuindo para a formação do italiano moderno. Além disso, o poema influenciou diversos escritores e artistas ao longo dos séculos, sendo fonte de inspiração para obras literárias, musicais, pictóricas e cinematográficas.

A Divina Comédia é uma obra que merece ser lida e apreciada por todos os que se interessam pela literatura, pela cultura, pela religião e pela vida.

Dante Alighieri 

Dante Alighieri (1265-1321) foi um escritor e poeta italiano, considerado o maior da língua italiana e um dos mais importantes da literatura universal. Sua obra mais famosa é A Divina Comédia, um poema épico que narra uma viagem imaginária ao inferno, purgatório e paraíso.

O escritor nasceu em Florença, em uma família aristocrática e influente. Estudou letras, ciências, artes e teologia. Aos nove anos se apaixonou por Beatriz, que morreu jovem e se tornou sua musa inspiradora. Aos doze anos se casou com Gemma Donati, com quem teve quatro filhos.

Ele se envolveu na política de sua cidade, apoiando os guelfos moderados, contrários às ambições do papado. Foi conselheiro, embaixador e prior da república. Em 1302, foi exilado por acusações de corrupção e condenado à morte se voltasse a Florença.

Dante passou o resto da vida vagando por diversas cidades italianas, buscando proteção e hospitalidade. Em Verona, na corte de Can Grande della Scala, começou a escrever A Divina Comédia, que concluiu em Ravena, onde morreu em 1321.

Alighieri foi um erudito que escreveu obras de teor literário, filosófico e histórico. Além da Divina Comédia, destacam-se La Vita Nuova, De Vulgari Eloquentia, Convivio, Rime e Monarchia. Dante escreveu em língua vulgar (o dialeto florentino), contribuindo para a formação do italiano moderno. Dante foi um gênio que combinou elementos poéticos, filosóficos, teológicos, históricos e culturais em sua obra. Dante foi um símbolo da cultura medieval e do humanismo renascentista.

Considerações do leitor contemporâneo sobre A Divina Comédia:

A obra é um clássico da literatura universal, que transcende o tempo e o espaço, e que pode ser lida por diferentes perspectivas e interesses, seja pela sua riqueza poética, filosófica, teológica, histórica ou cultural.

  • A Divina Comédia é um reflexo da visão de mundo medieval, que concebia o universo como uma ordem hierárquica e harmônica, regida pela vontade de Deus e pela lei natural. A obra também expressa a crise e a transição desse período para o Renascimento, que valorizava o humanismo e o individualismo.
  • A obra é uma alegoria da jornada humana em busca de Deus e da felicidade, que envolve o reconhecimento dos próprios pecados, a purificação das paixões desordenadas e a contemplação da verdade e do amor divinos. A obra também é uma autobiografia espiritual do autor, que revela as suas angústias, os seus amores e as suas esperanças.
  • A Divina Comédia é uma fonte de inspiração para diversos escritores e artistas ao longo dos séculos, que recriaram ou reinterpretaram os seus temas, personagens e imagens. A obra também é um desafio para os leitores contemporâneos, que precisam superar as dificuldades linguísticas, culturais e ideológicas para apreciar a sua beleza e profundidade.

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Referências

ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Tradução de Italo Eugenio Mauro. SP: Editora 34, 1998.

BOSCO, Umberto; REGGIO, Giovanni. Le Monnier: Firenze 1988.

SANTAGATA, Marco. Dante: il romanzo della sua vita. Milano: Mondadori 2015.

https://www.mundodasresenhas.com.br/a-divina-comedia-o-que-dizer-sobre-esta-obra-prima/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Para%C3%ADso_%28Divina_Com%C3%A9dia%29

https://www.todamateria.com.br/a-divina-comedia/

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