Astrônomos identificam estrela gêmea do Sol.

Universidade de São Paulo (USP) - Observações realizadas por uma equipe internacional de astrônomos no equipamento Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul (ESO), localizado no Chile, identificaram uma estrela gêmea do Sol, denominada HIP 102152, que está localizada a aproximadamente 250 anos-luz de distância da Terra. A análise da HIP 102152 fornece evidências da ligação entre a idade das estrelas e a concentração do elemento químico lítio, além de sugerir a existência de planetas rochosos do tipo terrestre (similares à Terra) orbitando ao seu redor. O estudo envolve cientistas brasileiros, incluindo pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, e de outros cinco países.
A descoberta anunciada durante entrevista coletiva no IAG na quarta-feira,  28 de agosto, é descrita em artigo da revista especializada Astrophysical Journal Letters, disponível online, cuja autora principal é Tala Wanda Monroe, pós-doutoranda do IAG. Apesar de ser quase idêntica ao Sol, a estrela tem idade estimada em 8,2 bilhões de anos, sendo cerca de 4 bilhões de anos mais velha. A similaridade e a diferença de idade podem auxiliar nos estudos sobre a evolução futura do Sol, cujo tempo de vida é estimado em 10 bilhões de anos.

“Há décadas que os astrônomos procuram estrelas gêmeas do Sol, de modo a conhecer melhor a estrela responsável por toda a vida na Terra. No entanto, têm sido encontradas muito poucas, desde que a primeira foi descoberta em 1997”, disse o professor Jorge Meléndez, do IAG, um dos autores do artigo. “Este estudo obteve espectros de grande qualidade com o telescópio VLT, permitindo examinar detalhadamente gêmeas solares com extrema precisão, e saber se o Sol é especial.”

A equipe estudou duas gêmeas solares, uma que se pensou ser mais jovem que o Sol (18 Scorpii) e outra que se esperava que fosse mais velha (HIP 102152). Os astrônomos utilizaram o espectrógrafo UVES, montado no Very Large Telescope (VLT) instalado no Observatório do Paranal do ESO (Chile) para separar a radiação nas suas componentes de cor, de modo a poder estudar em detalhe a composição química e outras propriedades destas estrelas, como temperatura, gravidade, massa e idade. Também é possível inferir a atividade estelar e a presença de planetas próximos, pelo efeito gravitacional exercido na estrela.
Os cientistas descobriram que a HIP 102152, situada na constelação do Capricórnio, é a gêmea solar mais velha conhecida até agora, possuindo massa e composição química similar ao Sol, com níveis semelhantes de elementos como o hidrogênio, carbono, ferro, alumínio, vanádio e lítio. Estima-se que tenha 8,2 bilhões de anos de idade, comparada com os 4,6 bilhões de anos do Sol. Por outro lado confirmou-se que a 18 Scorpii é mais nova que o Sol — tem cerca de 2,9 bilhões de anos. O estudo da HIP 102152, que não é visível a olho nu, permite aos cientistas prever o que pode acontecer ao próprio Sol quando chegar a essa idade. “A pesquisa procurou saber se o Sol terá uma composição química típica”, apontou Meléndez. “E, mais importante ainda, por que é que tem uma quantidade de lítio tão estranhamente baixa”.

Lítio

O lítio, o terceiro elemento químico da tabela periódica, foi criado durante o Big Bang (explosão que deu origem ao Universo), ao mesmo tempo que o hidrogênio e o hélio. “Os astrônomos ponderam há anos porque é que algumas estrelas têm menos lítio que outras, o chamado ‘mistério do lítio’ ”, disse Meléndez. O Sol tem atualmente apenas 1% do conteúdo de lítio que estava presente na matéria a partir da qual se formou. “A concentração é 160 vezes menor do que a verificada em meteoritos”, acrescentou o professor. Com as observações da HIP 102152, deu-se um grande passo em direção à resolução deste mistério ao descobrir-se uma forte correlação entre a idade de uma estrela como o Sol e o seu conteúdo em lítio.

A investigação de estrelas gêmeas do Sol mais novas apontava a presença de uma quantidade significativamente maior de lítio, mas os cientistas não tinham conseguido demonstrar a existência de uma correlação clara entre a idade e o conteúdo em lítio. “A pesquisa descobriu que a HIP 102152 tem níveis muito baixos de lítio, o que demonstra claramente, e pela primeira vez, que as gêmeas solares mais velhas têm efetivamente menos lítio do que o Sol ou estrelas gêmeas solares mais novas”, afirmou Tala Wanda Monroe. “É possível agora ter a certeza que as estrelas, à medida que envelhecem, destroem de algum modo o seu lítio”.

A HIP 102152 tem um padrão de composição química sutilmente diferente da maioria das outras gêmeas solares, mas semelhante ao Sol. “Ambas mostram uma deficiência de elementos químicos refratários, que são abundantes em meteoritos e na Terra, o que é uma evidência forte no sentido da HIP 102152 poder albergar planetas rochosos do tipo terrestre (similares à Terra)”, concluiu o professor do IAG. O artigo High precision abundances of the old solar twin HIP 102152: insights on Li depletion from the oldest Sun já está disponível online no site da revista especializada Astrophysical Journal Letters, fazendo parte da edição de 10 de setembro.

A equipe de pesquisadores é composta por Jorge Meléndez, Tala Wanda Monroe, Marcelo Tucci Maia e Fabrício Freitas, do IAG; Iván Ramírez, da University of Texas at Austin (Estados Unidos); David Yong, Martin Asplund, Alan-Alves Brito e Luca Casagrande, da Australian National University (Austrália); Maria Bergemann, do Instituto Max Planck de Astrofísica (Alemanha); Jacob Bean e Megan Bedell, da University of Chicago (Estados Unidos); Karin Lind, da University of Cambridge (Reino Unido); Matthieu Castro e José-Dias do Nascimento, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Michael Bazot, do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (Portugal). “O ESO é uma organização europeia intergovernamental para a pesquisa em astronomia, financiada por 14 países. O Brasil realiza atividades de pesquisa desde 2010 e o termo de adesão como membro efetivo está em tramitação no Congresso Nacional”, afirmou Cláudio Melo, diretor científico do ESO. “Atualmente, o ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile, La Silla, Paranal e Chajnantor”.

Durante a coletiva, o professor Meléndez anunciou que o IAG realizará o concurso cultural “Conte a história do gêmeo do Sol”, para dar um nome à HIP 102152. As inscrições podem ser feitas até 1º de outubro, no site, que também apresenta o regulamento do concurso. O nome escolhido será informal, pois a denominação HIP 102152 é estabelecida por um código adotado em catálogos internacionais.

Júlio Bernardes - Agência USP de Notícias - Com informações de Luciana Silveira, da Assessoria de Comunicação do IAG, e da Assessoria de Imprensa do ESO

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