Lei da Anistia é mantida com o voto do presidente do STF

Brasil
Nelson Jr./STF
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, foi o último a votar no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), que questionava o alcance da Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79) e foi julgada improcedente por sete votos contra dois. De acordo com o ministro presidente, o acordo que permitiu a edição da lei tem validade política e social em vista do momento histórico em que foi realizado.

Peluso disse que não consegue entender o porquê de a OAB questionar esse acordo mais de 30 anos depois, tendo dele participado. Para o presidente do STF, o voto do ministro Eros Grau foi antológico em todos os aspectos. “O Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia”, concluiu.

Voto do ministro Eros Grau foi pela anistia ampla, geral e irrestrita

Em longo e minucioso voto, em que fez uma reconstituição histórica e política das circunstâncias que levaram à edição da Lei da Anistia (Lei nº 6683/79), o ministro Eros Grau julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para contestar o alcance da anistia. Para ele, não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que, na transição do regime militar para a democracia resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

Para o ministro, se isso tiver de ocorrer, tal tarefa caberá ao Poder Legislativo, porque a anistia integrou-se à nova ordem constitucional inaugurada no país pela Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte. “O acompanhamento das mudanças do tempo e da sociedade, se implicar necessária revisão da lei de anistia, deverá ser feito pela lei, vale dizer, pelo Poder Legislativo, não por nós. Como ocorreu e deve ocorrer nos Estados de direito. Ao Supremo Tribunal Federal, repito-o, não incumbe legislar”, salientou.

Repúdio

O ministro Eros Grau advertiu, contudo, que sua decisão pela improcedência da ação não exclui seu repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis e militares, policiais ou delinquentes porque há coisas que não podem ser esquecidas. “É necessário não esquecermos, para que nunca mais as coisas voltem a ser como foram no passado”, afirmou, emocionado. Eros Grau afirmou que a ADPF ajuizada pela OAB parece desconhecer a batalha pela anistia, da qual a própria OAB participou.

“Há quem se oponha ao fato de a migração da ditadura para a democracia política ter sido uma transição conciliada, suave em razão de certos compromissos. Isso porque foram todos absolvidos, uns absolvendo-se a si mesmos. Ocorre que os subversivos a obtiveram, a anistia, à custa dessa amplitude. Era ceder e sobreviver ou não ceder e continuar a viver em angústia (em alguns casos, nem mesmo viver)”, ressaltou.

Legitimidade

Para o ministro, não se pode questionar a legitimidade do acordo político que resultou na edição da Lei da Anistia, pois isso seria um desapreço a todos aqueles que se manifestaram politicamente em nome dos subversivos. “Inclusive a OAB, de modo que nestes autos encontramos a OAB de hoje contra a OAB de ontem. É inadmissível desprezarmos os que lutaram pela anistia como se o tivessem feito, todos, de modo ilegítimo. Como se tivessem sido cúmplices dos outros. Para como que menosprezá-la, diz-se que o acordo que resultou na anistia foi encetado pela elite política. Mas quem haveria de compor esse acordo em nome dos subversivos? O que se deseja agora, em uma tentativa, mais do que de reescrever, de reconstruir a História? Que a transição tivesse sido feita, um dia, posteriormente ao momento daquele acordo, com sangue e lágrimas, com violência? Todos desejavam que fosse sem violência, estávamos fartos de violência”, salientou.

Em seu voto, de 67 laudas, o ministro Eros Grau afirmou que com a integração da anistia de 1979 à nova ordem constitucional, sua adequação à Constituição de1988 tornou-se inquestionável. “A anistia da lei de 1979 foi reafirmada, no texto da EC 26/85, pelo Poder Constituinte da Constituição de 1988. Não que a anistia que aproveita a todos já não seja mais a da lei de 1979, porém a do artigo 4º, § 1º da EC 26/85. Mas estão todos como que [re]anistiados pela emenda, que abrange inclusive os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Por isso não tem sentido questionar se a anistia, tal como definida pela lei, foi ou não recebida pela Constituição de 1988”, explicou.

Interpretação

Segundo o ministro, o pedido da OAB para que seja dada à Lei da Anistia uma interpretação conforme a Constituição Federal (CF), sob a alegação de que ela não teria sido recepcionada pela CF e que, portanto, a lei seria inepta; que a lei tem caráter obscuro, ao estender o benefício aos que cometeram crimes políticos ou conexos no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, esse pedido e esses argumentos esbarram no fato de que “todo texto normativo é obscuro até sua interpretação”.

Segundo o ministro Eros Grau, somente a interpretação de um texto legal transforma-o em norma, dá-lhe efetividade. “Interpretar é aplicar, é dar concreção ao direito”, afirmou. “As normas resultam da interpretação. Só o texto da lei não diz nada, até sua transformação em norma, resultado da interpretação”. Daí, segundo ele, não caber a alegação de inépcia da Lei de Anistia, por obscuridade.

Extensão

O ministro rejeitou, também, o argumento da OAB de que a Lei de Anistia estendeu indevidamente aos agentes da repressão do regime militar, autores de crimes comuns, a anistia por ela dada aos autores de crimes políticos, ofendendo preceito fundamental de respeito aos direitos humanos, e que a lei não esclarece o que denomina de crimes relacionados ou conexos.

Segundo a OAB, a lei “estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crimes” e, despropositadamente, usa do adjetivo “relacionados”, cujo significado não esclarece e a doutrina ignora, além de mencionar crimes “praticados por motivação política”. A isonomia estaria sendo afrontada na medida em que nem todos são iguais perante a lei em matéria de anistia criminal.

Para o ministro, “o argumento não prospera, mesmo porque há desigualdade entre a prática de crimes políticos e crimes conexos com eles. A lei poderia, sim, sem afronta à isonomia - que consiste também em tratar desigualmente os desiguais - anistiá-los, ou não, desigualmente”.

Ele procurou mostrar, também, que praticamente toda a legislação brasileira sobre anistia, expedida desde 1916, incluiu os chamados “crimes conexos”. Isto vem desde o Decreto 3102/16, que anistiou militares do Ceará, e vai até o decreto 19.396, de 1930, que anistiou os militares envolvidos no movimento revolucionário ocorrido naquele ano, bem como o Decreto-Lei 7474, que concedeu anistia para crimes políticos entre 1934 e 1945.

Principio republicano

Eros Grau contestou outro argumento da OAB, de que o fato de que a lei engloba agentes que cometeram crimes comuns, exercendo funções públicas, remunerados com dinheiro do povo, representaria ofensa ao princípio democrático e ao princípio republicano. Por outro lado, o Congresso da época, dominado indiretamente por militares e o presidente da República militar da época não teriam poder de se auto-anistiar e de anistiar os que cometeram crimes sob suas ordens.

“Não vejo realmente como possam esses argumentos sustentar-se, menos ainda justificar a ADPF”, observou o ministro. “Pois é certo que, a dar-se crédito a eles, não apenas o fenômeno do recebimento - a recepção - do direito anterior à Constituição de 1988 seria afastado, mas também outro, este verdadeiramente um fenômeno, teria ocorrido: toda a legislação anterior à Constituição de 1988 seria, porém exclusivamente por força dela, formalmente inconstitucional”.

Edição: Washington Luiz / Fonte:ABN

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